22 December 2012

121 - A HOSPITALIDADE E AS PARTIDAS DO PAES MAMEDE



A HOSPITALIDADE E AS PARTIDAS DO PAES MAMEDE


1 - A HOSPITALIDADE

Quem alguma vez visitou ou trabalhou no Alto Limpopo, sul de Moçambique, antes da independência deste país, conheceu, certamente, uma das figuras mais carismáticas a sul do rio Save: o Orlando Paes Mamede, dono de um verdadeiro império comercial, pecuário e industrial (camionagem vocacionada para transporte de trabalhadores moçambicanos para as minas da África do Sul) daquela região, com sede em Mapai.

A povoação de Mapai era como que um oásis no centro da vasta região do Alto Limpopo, na sua quase totalidade coberta por savanas de xanato(Colophospermum mopane) e galerias de simbirre(Androstachys johnsonii). É uma região
semi-árida, de clima muito seco e de poucas chuvas. Tem um dos mais baixos índices de ocupação humana do país e a sua maioria localiza-se ao longo dos grandes rios, como o rio dos Elefantes, o Limpopo, o Save e o Changane. Com estas características e de dimensões equivalentes às do território de Portugal continental, o Alto Limpopo era, na década de 50, fértil em animais bravios, em madeiras e em gado bovino de criação familiar. Ali afluíam caçadores, madeireiros e negociantes de gado e também componentes das mais diversas brigadas de estudos e pesquisas, vindos de outras regiões, nomeadamente da capital. Grande parte destes forasteiros convergia para Mapai, em trânsito ou para ali adquirirem combustíveis e géneros alimentícios.

Nem a construção da linha ferroviária para a Rodésia do Sul (actual Zimbabwe), concluída em 1956 e que passa a cerca de 17 quilómetros, nem a criação ao longo desta de polos comerciais como a Malvérnia (actual Chicualacuala) e S. Jorge do Limpopo (actual Mapai-Estação) fez diminuir o fluxo de pessoas para Mapai.

Por aquela povoação passavam obrigatoriamente todas as pessoas que se dirigiam ao Pafúri , já que se situa junto da única via de acesso a esta povoação, sede da Circunscrição, mais precisamente junto da margem esquerda do rio Limpopo, cuja travessia, na época, era feita de batelão. E como a distância entre as duas povoações é de cerca de cem quilómetros (desertos de vida humana), sucedia com frequência as pessoas em trânsito pernoitarem ali devido ao cansaço de uma viagem de várias centenas de quilómetros (Lourenço Marques - actual Maputo - fica a 500 Kms e a sede da Circunscrição mais próxima, o Guijá, a 300 Kms).

As infra-estruturas da povoação pertenciam na sua quase totalidade ao Paes Mamede: comércio, escritórios, oficinas, armazéns, bairro residencial, sistemas de abastecimento de água e luz, etc,. A sua residência, espaçosa e de grandes varandas de caris tipicamente colonial, ocupava um ponto estratégico e era dotada de instalações suficientes para receber simultaneamente uma boa dúzia de hóspedes sem perturbar minimamente a família anfitriã. Como não havia hotel ou simples pensão, era na sua casa que a maioria dos forasteiros se instalava a convite espontâneo e sempre cortês deste bem sucedido industrial.

Para além dos visitantes de ocasião a família Mamede recebia com frequência na sua casa de Mapai importantes individualidades dos mais diversos sectores da vida pública e privada, do território e do estrangeiro, quando em visita oficial ou particular, assim como imensos amigos.

Uma das personalidades que caçou na região de Mapai, na década de 40, foi o primeiro Ministro da África do Sul, general Smuts (à esquerda). O Paes Mamede, seu anfitrião, está à direita nesta foto da época.

Quem teve o privilégio de conhecer esta família e disfrutar da sua hospitalidade, não esqueceu mais os bons momentos passados na sua companhia ! Uns dias vividos no Mapai eram autênticas férias só possíveis numa estância de repouso algures em África, onde as coisas bem próprias deste continente se completassem como aqui: o ambiente e o clima do interior; a selva mesmo ao lado com os seus mistérios e perigos; os gritos das águias pesqueiras nas margens do rio; o chilrear das pequenas aves pela madrugada; os uivos e latidos das hienas e dos chacais durante a noite; as saborosas refeições à base de carnes de animais, quer selvagens quer domésticos, criados nas pastagens genuinamente naturais; as frutas, legumes e hortícolas produzidas apenas com o húmus da terra; os odores das plantas e das árvores sem poluição; o ritmo calmo das pessoas no trabalho quotidiano; o conforto das instalações; a simpatia dos anfitriões; a delicadeza de trato do pessoal doméstico; etc,!

Era hábito da casa levantar cedo, mesmo antes do nascer do Sol ! A esta regra não podiam fugir os hóspedes que eram acordados pelo empregado que levava o chá da manhã aos quartos e avisava: patrão, água de banho está pronta!
Cerca de duas horas depois, após ter trabalhado no escritório e ter passado em revista as actividades decorrentes no complexo da empresa, o anfitrião convidava para a primeira refeição do dia – o matabicho – que era servida na espaçosa varanda traseira da residência (uma lauta refeição com todos os ingredientes, a que se habituaram as pessoas que viviam no interior de
Moçambique e que tinha fama de ser a melhor do dia)! Nas horas adequadas e já na sala própria, eram servidos, em bonitas baixelas, o almoço e o jantar.

Os serões na casa dos Mamedes ficaram famosos: jogos de mesa organizados em função do número e preferência dos presentes; boa música (a discoteca fazia inveja à principal estação de rádio da capital) e um bom serviço de acepipes e bebidas, completavam, até tarde, o ambiente hospitaleiro e bem africano que ali se respirava e que era propício a prolongadas conversas sobre os mais diversos assuntos, desde a política às estórias de caça !

A rotina diária na N’GALA (nome da empresa de camionagem do Paes Mamede) era religiosamente cumprida pelo seu proprietário sem contudo deixar de dar atenção aos seus convidados, que por norma o acompanhavam aqui e ali e ficavam a conhecer como tudo ali nasceu desde o primeiro tijolo. Com muito orgulho ele mostrava as obras que ali fez: o posto sanitário cujo enfermeiro privativo explicava o movimento de doentes e a complexidade de muitos tratamentos que efectuava, como partos, pequenas cirurgias, etc,; a escola; o campo de futebol e respectivas instalações da equipa; os escritórios; a central eléctrica; a bombagem de água; os armazéns e oficinas; o drift; o batelão e até mesmo a machamba junto à margem do rio onde eram cultivados todos os produtos hortícolas e frutos consumidos na sua casa e na dos empregados. O mais tenro e saboroso feijão verde do mundo – dizia o Paes Mamede – era ali
produzido ! E eu bem me recordo do sabor especial desse vegetal !

Durante a época venatória e sobretudo em tempo de férias escolares, os varões da família (o pai Orlando e os filhos Rui e Sérgio), com um ou outro convidado, organizavam caçadas, nomeadamente aos elefantes e búfalos, que na época eram muito abundantes na região. Foi durante uma destas expedições, em 1954, que o filho mais velho, o Rui, com apenas 17 anos, foi acometido de um colapso cerebral, falecendo poucas horas depois quando era conduzido para o hospital de Lourenço Marques.

O búfalo é dos animais mais perigosos quando feridos. Depois do hipopótamo é,
seguramente, o animal que mais vítimas causa entre os caçadores.

Este trágico acontecimento abalou sériamente esta família e consternou todos os seus amigos. A juventude estudantil da capital, onde o Rui era muito estimado, compareceu em massa no seu funeral, que foi uma inesquecível manifestação de pesar e solidariedade!

Recordo este jovem com saudade! Ele e seu irmão mais novo - o Sérgio - haviam estado comigo no Pafúri, na véspera do acidente, onde passámos bons momentos em animadas partidas de pingue-pongue! Prometi a mim mesmo perpetuar a sua memória: se um dia viesse a ser pai de um filho varão, chamarse- ia Rui! E três anos depois, em Junho de 1957, materializei este desejo!


O Sérgio Paes Mamede (o segundo a contar da esquerda) junto do seu avião, numa das Coutadas de Marromeu, em 1973, quando transportou o Engº Martins Santareno (à esquerda) e comitiva, para um safari de caça.

Conheci esta família tempos antes do falecimento do jovem Rui. Tal como a maioria das pessoas que transitavam por Mapai, fui seu hóspede, pela primeira vez, no início de 1954, quando fui colocado na administração do Alto Limpopo. Ali cheguei num dos seus camiões de transporte de magaíças (trabalhadores das minas), apanhado em Mabalane. Vinha exausto de uma viagem que levava já oito dias a partir de Inhambane, durante a qual utilizei vários meios de transporte em etapas sucessivamente interrompidas. Ali fiquei dois dias à espera da carreira para o Pafúri e nasceu então uma longa amizade estruturada num misto de admiração, respeito e gratidão por esta família simpática e hospitaleira !

Durante a minha estadia no Pafúri (pouco mais de um ano) foram muitos os contactos com os Mamedes, já que o Mapai era ponto de passagem obrigatório nas deslocações quando em serviço pelo interior da região administrativa. Depois de deixar o Alto Limpopo, voltei ao Mapai por várias vezes, a última das quais em 1974 e sempre esta família me recebeu com a maior cordialidade!

Nunca esquecerei os ensinamentos que recebi do patriarca Orlando, relativamente à caça e aos animais selvagens, que muito me marcaram para a minha futura carreira de fiscal de caça e que noutro local vou recordar!




Preparativos para um dia de caça numa das Coutadas de Marromeu, onde este tipo de
viaturas conhecidas por anfíbios eram utilizadas pela SAFRIQUE. Na foto e no plano superior
reconhecem-se, da esquerda para a direita: Neves e Sousa (famoso pintor e escritor angolano, já
falecido) Engº Martins Santareno e esposa, Adelino Serras Pires (caçador-guia), Adelino Brígido (Director da Safrique), Sérgio Paes Mamede (também destacado no canto superior direito) e Dr Armando Rosinha.


2 - AS PARTIDAS 

O Paes Mamede era uma pessoa dotada de extraordinário sentido de humor e muito comunicativo. Fascinava-nos com as suas narrativas de caça, verdadeiras aventuras que viveu naquela região riquíssima de espécies bravias, para onde tinha ido ainda novo como recrutador e chefe de zona da Wenela (empresa sul africana de recrutamento de mão de obra para as minas), com sede no Pafúri. Gostava de pregar partidas aos incautos e eram raros os que por lá passavam que de tal se livravam! Quem chegava ao Mapai e não era avisado destes seus hábitos, acabava por ser apanhado numa dessas partidas!

Eu próprio não fugi à regra. Depois do jantar do primeiro dia convidou-me para uma caçada. Foi-me dizendo que bastava uma pequena volta na pista de aviação para matarmos um ou dois antílopes, o que me deixou entusiasmado.

Para lá seguimos numa carrinha cujo condutor certamente conhecia bem a lição, pois à partida segredou-me que os leões apareciam sempre por ali durante a noite! Entregaram-me uma arma de pequeno calibre – ponto 22. O Paes Mamede levou outra de maior calibre e a tarefa de farolar foi atribuída ao Fernando Figueiredo (guarda-livros da empresa e parceiro habitual do patrão nestas andanças). Chegados à zona da pista logo se divisaram alguns pequenos antílopes, encandeados pelo foco de luz. O condutor dirigiu para lá a viatura mas os animais refugiaram-se rapidamente na mata periférica. O Paes Mamede sugeriu que eu os perseguisse, dando-me uma pequena lanterna de cabeça. Não hesitei e em menos de um minuto estava na mata em perseguição dos animais, cioso por abater um deles. Não os alcancei e depois de uns duzentos metros andados e considerar infrutíferas as buscas, voltei para trás. Só que, devido aos zigue-zagues durante a perseguição, deixei rapidamente de saber para que lado estava a pista. Por momentos fiquei desorientado pois não via as luzes nem ouvia o barulho do motor da viatura. Alguns minutos depois lá consegui desembaraçar-me da mata e alcançar a clareira da pista, embora em local diferente daquele onde a viatura me deixara. Ouvi então chamarem-me e pronunciarem, repetidas vezes, a palavra “leão”. O carro estava a uns duzentos metros, com os mínimos ligados e para lá corri com quantas forças tinha! Os comparsas mostravam grande preocupação pela minha segurança dizendo que saltasse rápido para o carro pois que andava um leão por perto. Disfarçando grande nervosismo, o Paes Mamede chamou a atenção para os roncos cavernosos que vinham do fundo da pista e logo que me instalei na caixa da camioneta deu instruções ao motorista para regressarmos.

Assim terminou a caçada ! Pelo caminho e em casa, os comentários sobre o sucedido eram de consolo pelo facto de nada me ter sucedido e termos escapado a tempo! E por isso trocaram-se brindes à chegada!

A cena pareceu-me tão natural que acreditei plenamente na sua veracidade e até dei as minhas opiniões sobre os prós e os contras da caçada, respondendo ingenuamente às perguntas ardilosas que me iam fazendo!

Era o meu baptismo de caça e, como esperavam os meus "carrascos", dei-lhes bons motivos para gáudio!…

Uns dias depois, já nas minhas funções no Pafúri, fui informado do logro em que tinha caído! Mais tarde, os ditos comparsas consolaram-me por ter sido alvo de uma pequena partida, pois que à última hora tinham resolvido não levar por diante o plano inicial que culminava com o meu abandono em pleno mato, ouvindo a imitação dos rugidos de leão emitidos por um trabalhador com o uso de um funil!

Uma boa lição colhi desta brincadeira! Decorria na altura a época de defeso venatório e o Paes Mamede recordou-me, mais tarde, este pormenor, censurandome por ter concordado ir à caça neste período e ainda por cima durante a noite e sem licença de caça! Três infracções que ao longo da minha carreira de fiscal de caça tentei combater e muitas vezes penalizar!

Conhecendo depois as estórias de partidas que o Paes Mamede pregava, considerei-me um privilegiado por ter sido alvo de uma tão suave brincadeira! E porque me foi aconselhado, reagi muito desportivamente! Caso contrário eles acabariam por me aplicar novo “castigo" e certamente dele não me sairia tão bem!

A Girafa (Camelopardalis), um dos animais bravios mais raros em Moçambique,
estava bem representada na região do Alto Limpopo.

Um dos amigos bastante chegados do Paes Mamede, conhecendo os seus hábitos, conseguiu durante muito tempo escapar às suas partidas. Só que, quando menos esperava, caiu numa das mais bem sucedidas e insólitas partidas por ele aplicadas. Esse amigo era o administrador da circunscrição – o Landerset Simões – que saíra do Pafúri cerca de um ano antes da minha chegada ali.

Juntavam-se com frequência, quer numa quer noutra casa e ambos eram apaixonados pelo poker, que jogavam sempre que reuniam parceiros. Numa ocasião em que foram juntos a Lourenço Marques (eram frequentes estas viagens do Paes Mamede, via África do Sul), o Landerset Simões comprou um bilhete de lotaria e quando o fez o Paes Mamede estava por perto e olhou subrepticiamente, apenas para fixar o seu número e logo se afastou anotando-o na
palma da mão. No dia da lotaria o Paes reuniu na sua casa alguns amigos habituais do poker, incluindo o seu companheiro de viagem à capital, a pretexto de um aniversário na família, facto que levou a reunião a ser tomada como natural. Depois do jantar e quando se jogava, a estação do Rádio Clube de Moçambique, ligada entretanto no rádio-móvel da sala, despertava a atenção
dos presentes pelas excelentes músicas que ia passando e que eram elogiadas pelo anfitrião e convidados. A dada altura o locutor informou que ia ler os números da lotaria daquele dia. Rapidamente o Landerset saltou da cadeira e aproximou-se para ouvir. Não conseguiu captar todos os números mas pareceulhe ouvir alguns correspondentes aos do seu bilhete. O locutor ao terminar a leitura dos prémios secundários repetiu os principais números premiados e quando o fez a atenção já era total: o número do primeiro prémio correspondia ao do bilhete inteiro comprado ! O Landerset deu um salto e numa explosão de alegria gritou: estou rico, estou rico ! Foi muito felicitado por todos e festejouse com bom champanhe!

A festa prolongou-se no meio de um contentamento geral e de repetidas e entusiásticas felicitações ao feliz contemplado e os presentes tiveram ainda a confirmação da exactidão dos números premiados num posterior noticiário daquela “estação de rádio”!

Eufórico como ficou, o administrador Landerset Simões, que naquele dia deveria pernoitar na casa dos Mamedes, resolveu regressar ao Pafúri a meio da noite, dizendo que na manhã seguinte seguiria para Lourenço Marques para receber o prémio.

Depois da sua partida os convivas continuaram a festejar, não a “sorte grande” do Landerset Simões, mas a “partida” que lhe foi pregada! Planificaram depois a acção a tomar no dia seguinte para desmontar a farsa junto da vítima e poucas horas depois o Fernando Figueiredo seguiu para o Pafúri onde chegou pela manhã. Encontrou o Landerset nos preparativos finais para seguir viagem e sem rodeios explicou-lhe que aquilo tinha sido uma brincadeira do Paes Mamede, ardilada a partir do momento em que ele comprou o bilhete em Lourenço Marques e depois bem executada com uma gravação de músicas e locuções imitando um profissional da rádio! Disse-lhe, inclusivé, que a gravação tinha sido objecto de muitas tentativas de aproximação da voz do locutor da rádio e a sua reprodução acabaria por ser tão perfeita e convincente que surpreendeu o autor - o próprio Paes Mamede! Tudo possível graças ao bom equipamento de gravação e reprodução magnéticas que havia comprado pouco tempo antes na África do Sul!

Todas as explicações, porém, não deram para aliviar a carga de stress do visado, que nem sequer dormira nessa noite só de pensar na mudança da sua vida com a inesperada sorte grande! Reagiu de um modo nunca esperado pelo seu amigo e recusou o convite de voltar ao Mapai para ali se refazer das emoções vividas na companhia dos parceiros da noite anterior. Nenhum argumento do seu amigo Figueiredo o demoveu ! Ficou zangado e as suas relações com o Paes Mamede não voltaram a ser como antes. Pouco tempo depois foi transferido do Pafúri para o norte de Moçambique.

O Orlando Paes Mamede continuou igual a si mesmo, recebendo, fazendo amigos e pregando as suas habituais partidinhas que ele definia como “praxes do Mapai” e que eram aceites desportivamente pela esmagadora maioria dos atingidos. E continuou também a prosperar em todas as direcções do seu vasto “império” comercial, pecuário e industrial, até que as mudanças impostas pelo fim do império colonial português alteraram radicalmente o rumo dos seus negócios e da sua própria vida. Ausentou-se para Portugal depois da independência de Moçambique, vindo a falecer em 1987 na África do Sul. Posteriormente, em 1991, viria também a falecer sua esposa Dária.
Seus filhos - Sérgio e Orlanda - garantiram a continuação do clã dos Mamedes e, tal como os pais, adoram África, onde nasceram e vivem!

ESCLARECIMENTO
Recentemente fui contactado por um dos netos do Orlando Paes Mamede, que visitou esta página e me dirigiu palavras de apreço pela forma como recordei aqui o seu avô materno (ele é filho da Orlanda Mamede), deixando também no GuestBook, uma simpática mensagem!
Para além de algumas informações pontuais e fotografias que me forneceu e permitiram melhorar o conteúdo desta história, este descendente dos Mamedes informou-me que o seu nome - Rui - também lhe foi atribuído em homenagem à memória de seu saudoso tio!

Marrabenta, Agosto de 2001
Celestino Gonçalves


NOTA: Esta história foi publicada em 2001 no primeiro site pessoal do autor, já desactivado e, em 2008, no presente Blog. Renovo aqui a mesma publicação pelo interesse que despertou e por continuar a ser das minhas histórias preferidas.
Aproveito para saudar todos os descendentes do clã Mamede, cujo patriarca, o saudoso Orlando Paes Mamede, muito me ensinou no início da minha longa carreira em Moçambique!

Marrabenta,  Dezembro de 2012


Celestino Gonçalves

10 December 2012

120 - APRESENTAÇÃO DO PARQUE NACIONAL DA GORONGOSA EM LISBOA

Apresentação do Parque Nacional da Gorongosa

08.12.12 - Lisboa

O Parque Nacional da Gorongosa esteve ontem "presente" em Lisboa! Este foi um evento bastante participado, restrito à imprensa e aos profissionais da indústria turística, organizado em conjunto com a Embaixada de Moçambique em Portugal e com o Grupo Visabeira.O caso do Parque Nacional da Gorongosa foi apresentado enquanto exemplo de promoção do equilíbrio ambiental, do desenvolvimento social e do progresso económico e turístico. Foram oradores neste evento: o Embaixador da República de Moçambique em Portugal, Jacob Jeremias Nyambir, o Presidente da Fundação “Gorongosa Restoration Project”, Greg Carr, o Administrador do Parque Nacional da Gorongosa, Mateus Mutemba e o Vice-presidente do Grupo Visabeira SGPS, SA., Paulo Varela.

Mateus Mutemba, durante a sua apresentação do caso do Parque Nacional da Gorongosa  

Greg Carr, Presidente do "Gorongosa Restoration Project"



Embaixador de Moçambique, Jacob Nyambir


Paulo Varela, Vice-Presidente do Grupo Visabeira



Fim de citação

*   *   *


Para além das personalidades mencionadas no texto da notícia acima inserida, a comitiva do Parque Nacional da Gorongosa incluía ainda, para além de Greg Carr, Bernardo Beca Jofrisse e Mateus Mutemba, o director do Departamento dos Serviços Científicos Dr. Marc Stalmans e o director do Departamento de Conservação (também gestor do programa de reflorestamento da Serra da Gorongosa),  Engº Pedro Muagura. Este último tem um respeitável palmarés ao nível do reflorestamento de áreas degradadas, com mais de  100 milhões de árvores plantadas!

Como convidado de honra esteve também presente no cocktail de apresentação do PNG o Secretário de Estado da Cooperação e Negócios Estrangeiros, Dr. Luís Pereira.

Nunca é demais recordar - e isso foi abordado nesta cerimónia - que o PNG, outrora considerado o mais belo santuário da fauna bravia de África, quer pela beleza das suas múltiplas paisagens, quer pela diversidade e quantidade das espécies que albergava, foi palco de massacres da sua fauna durante os 16 anos de guerra civíl (1977/1992) e nos dois anos que se seguiram ao acordo de paz (1992/1994), este último período com consequências devastadoras pois houve uma corrida desenfreada das populações e de caçadores furtivos que  levaram quase à extinção os animais do Parque.

Após a sua reocupação, em 1994, por parte das autoridades e técnicos dos serviços da fauna bravia, e durante os dez anos seguintes, todo o esforço ali desenvolvido sob a  chefia de dois dos mais competentes técnicos moçambicanos de fauna, Baldeu Chande e Roberto Zolho,  apoiados em financiamentos nacionais e estrangeiros, aliás pouco significativos e nem sempre correctamente utilizados, não traduziu os benefícios e a recuperação que era de esperar num tão alargado período de tempo.

Felizmente que em 2004 se verificou uma reviravolta na Gorongosa, graças à visita que o americano Greg Carr ali fez, levado pela mão do próprio Roberto Zolho após uma primeira visita que este filantropo havia efectuado à Reserva do Maputo.   De tal maneira ficou impressionado com o que viu no Parque que decidiu desde logo financiar e dirigir, sem fins lucrativos, um projecto  para a sua restauração, que já leva 8 anos de existência e muitos dos 40 milhões de dólares que a tal destinou já investidos.

Não estando ainda recuperadas algumas espécies como o elefante, o búfalo, o boi-cavalo, o leão, a zebra e o elande, cujos efectivos vêm  progredido mas lentamente, a verdade é que outras, como hipopótamos, palapalas, crocodilos, gondongas,  impalas, inhacosos, changos, oribis, facoceros, porcos vermelhos, inhalas, imbabalas e macacos,  a situação é boa e  até ultrapassa os efectivos de outros tempos, como é o caso dos inhacosos, facoceros, oribis, porcos, imbabalas e Inhalas. Inclusive, o Projecto tem promovido a  reintrodução de algumas das espécies   com mais dificuldade de recuperação, como elefantes, búfalos, bois-cavalo, hipopótamos e chitas, uma medida que também tem por objectivo a melhoria da reprodução das espécies  traumatizadas ou definhadas biológicamente. 

Entretanto, a Gorongosa mantém a sua exuberante avifauna, ali representada por variadíssimas espécies cuja observação delicia os visitantes. Destacam-se aves lindíssimas desde o mais pequeno beija-flor aos grous coroados, sécuas, gansos do nilo, garças, pelicanos, galinhas kangas e d´água, patos, cegonhas, águias, calaus,  roleiros e centenas de outras espécies já catalogadas.

Esta história tem sido contada em todo  o mundo, através dos mais variados meios de comunicação, com destaque para documentários cinematográficos de consagradas estações de TV e da National Geographic, destacando-se o já famoso filme "África´s Lost Eden" que obteve vários prémios em festivais internacionais e catapultou para a ribalta o nome de Greg Carr.

Paralelamente, o Projecto de Restauração da Gorongosa tem vindo a desencadear outras  formas de divulgação, nomeadamente através de mostras em feiras de promoção do turismo em diversos países, incluindo Portugal, onde se faz representar, desde 2007, na Bolsa de Turismo de Lisboa.


Foi no âmbito desta política de divulgação do Parque e visando cativar o interesse dos industriais do turismo do nosso país, que o evento do passado dia 7 se realizou, tendo como palco o restaurante Zambeze situado no bonito local da Calçada Marquês de Tancos, perto do Castelo de S. Jorge, em Lisboa, onde alcançou significativo sucesso.

Destinada a uma audiência específica - comunicação social e profissionais da indústria turística -, esta apresentação teve a presença de uma vasta audiência, sempre muito atenta aos pormenores dos oradores a quem não regatearam efusivos aplausos. Mateus Mutemba, cuja intervenção revelou ter uma rara sensibilidade para os problemas da conservação da vida bravia em geral e do PNG em particular, causou nos presentes a melhor das impressões e a sensação de que o cargo de administrador do Parque está em boas mãos.

Greg Carr, que já nos habituou a intervenções de grande paixão e envolvimento na sua tarefa de financiador e presidente do "Gorongosa Restoration Project", mais uma vez se revelou a figura que conquistou a simpatia não só dos moçambicanos mas também dos amantes da protecção da vida bravia de todo o mundo. Ele cativou todos os presentes pela sua simpatia e dedicação à causa do Parque, que envolve múltiplos problemas tanto relativos à sua restauração como santuário da vida bravia, mas, também e sobretudo, os relacionados com o bem estar das populações que ali residem e que rondam as duzentas mil pessoas.  


A intervenção - a primeira da cerimónia - de Paulo Varela, vice-presidente do Grupo Visabeira, revelou-nos o grande entusiasmo desta conhecida  empresa portuguesa pelo desenvolvimento do turismo no PNG e, também, os planos de novos empreendimentos em Moçambique, uma boa parte deles ligados igualmente ao sector do turismo.

O Embaixador de Moçambique, Jacob Jeremias Nyambyr, que irradiou simpatia e boa disposição, como é apanágio dos moçambicanos, cumpriu de forma exemplar o que compete a um responsável diplomático de um país com quem Portugal tem excelentes relações. Transmitiu-nos a confiança do seu governo nos responsáveis pela restauração do PNG, cujo apoio   nas diversas vertentes é um compromisso assumido desde o início do Projecto da Fundação Carr (agora designado de "Gorongosa Restoration Project"),  cujo presidente, Greg Carr, elogiou sem rodeios. 


A convite da organização do evento, o Grupo de Amigos da Gorongosa (criado em Portugal, em 2007), esteve representado por cinco elementos do seu núcleo organizador, nomeadamente Maria José Coimbra, Jorge Faria, José Canelas de Sousa, Fernando Gil e Celestino Gonçalves. Por indisponibilidade, não puderam estar presentes os restantes dois elementos do mesmo núcleo, António Jorge da Silva e Graça Moreira.

Tivemos assim a oportunidade de assistir a uma cerimónia de alto significado para as pretensões que a parceria PNG/VISABEIRA pretende alcançar no campo promocional, social e económico da Gorongosa como destino turístico de eleição em Moçambique, tendo as intervenções dos oradores primado pela descrição, ao pormenor, das actividades ali em curso desde o início do projecto de restauração - Gorongosa Restoration Project -, em 2004, até ao presente e, também, dos planos para o futuro que abrangem grandes empreendimentos que vão permitir  um turismo  à escala dos mais desenvolvidos Parques de África, nomeadamente do famoso Kruger Park na África do Sul.

Ao mesmo tempo, os elementos do GAG puderam trocar impressões com  muitos dos presentes, versando o tema  Gorongosa, inteirando-se  do entusiasmo que reinou à volta da delegação moçambicana, muito solicitada antes e depois das intervenções.

Tal oportunidade permitiu-nos rever esses amigos que agora nos visitaram e com eles registar os momentos agradáveis ali vividos em fotos como as que a seguir aqui deixamos.

Apresentamos os parabéns  a toda a equipa do PNG  e ao seu parceiro VISABEIRA, assim como à Embaixada de Moçambique em Portugal pelo sucesso deste evento e também o nosso agradecimento pelo convite que nos fizeram!



Apresentação do director da Conservação do PNG, Engº Pedro Muagura

Aspecto parcial da audiência,
 com o cientista do PNG Dr. Marc Stalmans em primeiro plano

Entre os convidados estiveram presentes elementos do Grupo de Amigos da Gorongosa,
na foto  com Greg Carr, Coronel Beca Jofrisse, Dr. Marc Stalmans e Engº Pedro Muagura












José Canelas, Angela Mendonça e Celestino Gonçalves com o Administrador do 
Parque Nacional da Gorongosa, Mateus Mutemba


Saudações amigas!
Lisboa, 9 de Dezembro de 2012

Celestino Gonçalves





04 December 2012

119 - DIRECÇÃO DO PARQUE NACIONAL DA GORONGOSA RECEBIDA PELO PRESIDENTE CAVACO SILVA



DIRECÇÃO DO PARQUE NACIONAL DA GORONGOSA RECEBIDA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
 CAVACO SILVA


O Presidente da República de Portugal, Cavaco Silva, recebeu ontem (Segunda-feira, 3 de Dezembro) no Palácio de Belém, em Lisboa, uma representação do Projecto de Restauração do Parque Nacional da Gorongosa, constituída pelo Administrador do PNG, Mateus Mutemba e por Greg Carr, Presidente do "Gorongosa Restoration Project”. Na audiência também participou o Embaixador de Moçambique em Portugal, Jacob Jeremias Nyambir.

Foi uma ocasião que permitiu ao Presidente Português compreender melhor o Projecto de Restauração do Parque Nacional da Gorongosa, considerado um excelente exemplo de promoção do equilíbrio ambiental, do desenvolvimento social e do progresso económico.  

Greg Carr cumprimenta o Presidente Cavaco Silva, na presença do Embaixador de Moçambique, Jacob Jeremias Nyambir



Mateus Mutemba, Administrador do Parque Nacional da Gorongosa cumprimenta o Presidente Cavaco Silva



A Delegação da Gorongosa no Palácio Presidencial com o Presidente Cavaco Silva 




16 November 2012

118 - GORONGOSA - NOVOS LORDES DA SELVA



PARQUE NACIONAL DA GORONGOSA

NOVOS LORDES DA SELVA

Texto e fotos de Jean-Paul Vermeulen




Passavam mais de trinta minutos que estávamos parados na proximidade do Rio Urema. Ao chegar, o ruído do motor tinha afugentado os crocodilos para dentro da água e agora
esperávamos em silêncio que eles saíssem para retomar o seu banho do sol.
Um elefante veio da mata atrás do carro sem que nos apercebêssemos imediatamente. Estava visivelmente irritado. O nosso veículo era um contraste na paisagem e com certeza o paquiderme ia testar as nossas intenções. Numa fracção de segundo já estava perto. Muito perto. Abanando a cabeça. Não havia ambiguidade quanto ao seu descontentamento pela nossa intrusão no seu território. Os elefantes da Gorongosa têm a reputação de ser agressivos e de atacar quem pode representar uma ameaça para eles. Ficámos totalmente silenciosos, sem fazer qualquer movimento. A estratégia do silêncio e imobilismo deu resultado. Após alguns segundos o elefante parou. A mudança de atitude foi radical e estava agora totalmente descontraído. O rio era o seu destino. Entrando na água foi bebendo e, após um banho de lama na outra margem, desapareceu como apareceu.
Para entender a inimizade do elefante perante o Homem, temos que recordar que em 1972 havia mais de 3.000 elefantes pelas matas da Gorongosa e que menos de 200 sobreviveram à guerra civil. O elefante é reconhecido pela sua inteligência. Ele tem também uma boa memória. Uma memória de elefante… A retomada de uma relação mais pacífica com o Homem será lenta… como a da Gorongosa.





PROJECTO DE RECONSTRUÇÃO DA GORONGOSA
                                                                                   

O Projecto de Reconstrução da Gorongosa foi iniciado em 2005 e as mudanças já são notáveis. Espécies praticamente desaparecidas há quinze anos atrás, como a emblemática pala-pala, a impala, a nyala, a piva e a oribi possuem agora efectivos que, em algumas delas, suplantam as existências dos tempos áureos do Parque. Búfalos e bois-cavalo são objecto de programas de renovação e multiplicação. Elefantes e hipopótamos também foram introduzidos para aumentar a diversidade genética, bem como Chitas que tinham totalmente desaparecido nos anos setenta. Apesar destes sinais encorajadores, não deixam de aparecer situações preocupantes a determinar
novos desafios
Uma delas é a aparente estagnação, se não lenta extinção, de algumas espécies como é o caso dos leões. Nos anos 60 a Gorongosa albergava uma população estimada em mais de 500 desses felinos e podia orgulhar-se de ter a maior densidade de toda a África Austral. Actualmente será de 30 a 50 o número de leões dentro de Parque. Apesar dos esforços de reconstrução dos ecossistemas e da aparente abundância de caça para a sua alimentação, essa população não cresce. A situação é particularmente preocupante dado o facto de, ao nível da África, o número de leões selvagens se ter reduzido em mais de 80% nestas últimas duas décadas.

Alguns cientistas já prevêem que até ao final da próxima terão completamente desaparecido. Sendo o leão, muito provavelmente, o mais emblemático dos Big 5, como imaginar a selva sem o seu rei? A situação requer medidas urgentes ao nível do continente para proteger o habitat e as populações viáveis. Este é o objectivo do recém-lançado Projecto Leões da Gorongosa que vai, a longo prazo, tentar trazer respostas para a sua recuperação e conservação no Parque.


OS BIG 5 AGORA SÃO OUTROS

Inicialmente território dos Big 5, a Gorongosa perdeu essa qualificação nos anos setenta quando desapareceu o último rinoceronte naquela região. Enquanto o Parque se esforça para reconquistar o seu estatuto, o poder de sedução mantém-se intacto com os seus próprios Big 5.

O primeiro é a Serra da Gorongosa, recentemente incluída na zona de protecção total. Como uma sentinela no horizonte e contrastando com as baixas altitudes do vale do Rift, a Serra acusa uma precipitação (mk) de dois metros que origina uma vegetação luxuriante. Um recente “bioblitz” – um estudo científico, curto e intensivo de pesquisa – demonstrou a presença nas suas encostas de uma grande diversidade de espécies de fauna e de flora ainda desconhecidas da ciência, entre as quais algumas endémicas. O segundo é o lago Urema e as zonas pantanosas à sua volta, cuja extensão só pode verdadeiramente ser apreciada do céu, especialmente durante a estação das chuvas, quando a sua superfície se estende até 20 vezes o seu tamanho normal. O terceiro são as falésias de Kúndue, antigas testemunhas das convulsões geológicas que se iniciaram há milhões de anos e que um dia dividirão a África em dois continentes, a partir da Etiópia até a região centro de Moçambique. O quarto é a gruta de Codzué, a mais comprida de Moçambique, onde um dia talvez se descubram vestígios dos primeiros hominídeos que percorriam o Leste da África. E o quinto? É, claro, o elefante. Temido, admirado, procurado, dizimado, ele está a voltar em força e é o verdadeiro lorde desta selva.


TURISTAS

Localizado na extremidade sul do Grande Rift, no seio de um vasto ecossistema definido, modelado e alimentado pelo ciclo de água e dos rios que  o     percorrem, o Parque Nacional da Gorongosa representa um activo importante para o desenvolvimento turístico do Pais. Em 1973, no seu apogeu, ele recebeu cerca de 20.000 turistas do mundo inteiro, tendo-se tornado uma referência na África Austral até ao seu encerramento durante a guerra civil. Graças a um vasto esforço de promoção ao nível nacional e internacional, o número de turistas está em franco crescimento nestes últimos anos. Em 2011 o Parque teve cerca de 7.000 visitantes, dos quais um pouco mais da metade são moçambicanos. A médio prazo a Gorongosa tem todo o potencial para se reposicionar no pódio dos melhores destinos turísticos da região, gerando receitas e empregos que, desesperadamente, as comunidades à volta do Parque precisam para o seu desenvolvimento.

Mia Couto diz que “Nenhum lugar acontece naturalmente. Toda a geografia é uma plantação do Homem”. O extenso território do Parque Nacional da Gorongosa é um desses lugares enriquecido pelo cruzamento entre natureza, cultura e história. As noites na Gorongosa são, desde sempre, ritmadas pelos sons persistentes dos batuques. À volta da fogueira contam-se histórias onde mitos e eventos são reinterpretados para reescrever o mundo desde a sua criação. No Chitengo, belo local que acolhe a administração e os visitantes, também se reinventa o passado e advinha o futuro do Parque. As visões são claramente diferentes. Os interesses também. Mas um novo capítulo dessa geografia está já sendo reescrito.

O ELEFANTE DA GORONGOSA

Uma tarde, ao regressarmos ao Chitengo, cruzamos com uma manada de elefantes. O encontro foi bem pacífico. Ficamos a observá-los, com o pôr-do-sol em pano do fundo, enquanto atravessavam a estrada para procurar um tando (pastagem aberta, planície, geralmente húmida). As sombras esticam-se no infinito e o céu alaranjado pinta-se de roxo escuro. Os sons claros das criaturas da noite anunciam o despertar dos adormecidos do dia. É a hora mágica da África e, por um instante, o tempo parece suspenso no ar.


O elefante da Gorongosa é bem similar ao Homem em termos de inteligência, relações familiares e complexidade social. Mas, para sua desgraça, tem sido caçado desde as trevas dos tempos devido às suas pontas de marfim. Ao observar os elefantes no Parque da Gorongosa nota-se algo de diferente. Muitos deles não têm essas presas, pelo menos são muito mais pequenas do que o normal. Como se eles tivessem sido obrigados a abandoná-las para finalmente ficarem em paz. Elefantes sem presas ocorrem naturalmente, mas são a excepção, não a regra. Similarmente ao que aconteceu em outras regiões de África, a hipótese mais provável é que durante os anos de guerra civil, os caçadores tenham abatido sistematicamente os elefantes com maiores presas, deixando de lado os animais sem valor comercial. Talvez só 6 % da população inicial tenha sobrevivido. Mas ela está a crescer e admite-se que, esses descendentes, carreguem nos seus genes as características que provavelmente contribuíram para a sobrevivência da espécie nesta parcela do País. Felizmente a população de elefantes da Gorongosa não está isolada e, com medidas apropriadas de protecção, mais cedo ou mais tarde alguns animais de grandes pontas irão encontrar o caminho desta vasta área de protecção e enriquecer o património genético dos Lordes da Gorongosa. Os primeiros seis elefantes com aquelas características já chegaram vindos do Kruger Park. Por esta vez com a ajuda do Homem…

(Fim de citação

                                                                  *   *   *





BREVE COMENTÁRIO

Este interessante artigo foi publicado no último número da revista MdeMoçambique e tem vindo a ser difundido nas redes sociais por muitos amigos da Gorongosa.
O seu autor, a quem agradeço a gentileza de me ter enviado o texto e fotos em formato acessível para aqui publicar, faz uma avaliação realista da situação actual do Parque sustentada no conhecimento directo do que ali se tem feito para a sua recuperação, deixando-nos optimistas com o seu futuro face  aos  progressos ali alcançados na recuperação de algumas espécies emblemáticas, algumas até já superaram os efectivos de outrora. Por outro lado, o caso concreto da estagnação dos efectivos de leões e o lento desenvolvimento de outras espécies como o búfalo e o boi-cavalo, são um aviso importante de que muito há ainda a fazer para tornar a Gorongosa o grandioso santuário que já foi.  Caberá aos governantes, ao mais alto nível, tomar as medidas adequadas que implicam defender energicamente o Parque  de toda a espécie de inimigos como são os garimpeiros do ouro, os madeireiros, os furtivos, etc.

Saudações amigas!
Celestino Gonçalves


25 September 2012

116 - GORONGOSA NO SUNDAY TIMES





O jornal Britânico "Sunday Times" publicou um interessante artigo sobre a Gorongosa escrito por Chris Haslam, que esteve durante algum tempo a visitar o Parque Nacional da Gorongosa.
O título do artigo é "Big Ears Strikes Back" e de acordo com Chris Haslam:

"O  PARQUE NACIONAL DA GORONGOSA é a maior maravilha de Moçambique — África em miniatura, com um ecossistema que parece ser o protótipo divino."

Este título encabeça o artigo integralmente transcrito no site oficial do PNG e que acabamos de receber através do Dr. Vasco Galante, que sempre nos mantém informados das reacções que os mais diversos órgãos de comunicação de todo o mundo têm tido nos últimos anos em relação aos progressos alcançados neste Parque a partir de 2004, altura em que o filantropo americano Greg Carr iniciou  ali um bem sucedido - e sem precedentes -, projecto de recuperação.
Dado o seu interesse, a seguir se transcreve o texto (na forma original) do mesmo artigo, recomendando-se a quem necessitar o uso deste tradutor:





The lions turned up
just after three in
the morning. Two
big males, right outside
my tent. Their
roaring had woken
the whole camp, but
nobody could move.
First off, these were Gorongosa
lions, which consider humans
legitimate prey, and second,
the pride had us surrounded.
I lay still, my wine-soaked
brain telling my adrenalinestoked
heart that lions. Never.
Enter. Closed. Tents. The roaring
stopped. Through the mesh door,
I could see their silhouettes,
slightly darker than the surrounding
forest. I could hear
their breathing: short, stressedout
grunts. I could smell their
fetid breath.
I reasoned that if I kept my
movements to a minimum, they
wouldn’t see me. Fool. They see
better at night than a police
surveillance helicopter, and their
sense of smell is acute enough
to distinguish perspiration from
cold sweat. But they never come
into closed tents.
The nearest of the pair probed
the canvas with a paw. Then he
pressed his nose against the
mosquito-net door. I could hear
the scratch of his whiskers
against the mesh, the tinkling of
the zip puller, the belated alarm
call of a thick-tailed bushbaby
somewhere in the trees above.
And it was then, with utter
horror, that I realised I hadn’t
zipped the net door shut. This
was not a closed tent.
GORONGOSA NATIONAL PARK
is Mozambique’s greatest wonder
— Africa in miniature, with an
ecosystem that looks like the
divine prototype. In the north,
the 6,000ft walls of the Gorongosa
massif force easterlies from the
Indian Ocean to rise, condense
and fall as rain, watering 1,550
square miles of dense forest,
wetland, open savanna and lake.
In one day, you can find
shades of the Congo, the Mara,
the Okavango and the Mountains
of the Moon.
Naturalists call it Africa’s lost
Eden, and in the late 1960s, it was
reputed to be the finest national
park on the continent, with more
predators than the Kruger and
denser herds of ungulates such
as wildebeest and buffalo than
the Serengeti. Hunting was
banned in 1956, and celebrities
such as John Wayne and Tippi
Hedren flocked to Chitengo camp
to experience a new style of safari
on which nothing got shot.
Gorongosa came through the
war of independence untouched,
and in 1976 it had the largest
population of lions anywhere in
Africa. Then, in 1981, it all went
wrong. Civil war broke out and
the park became a battleground
between the Frelimo government
and Renamo rebels.
Chitengo was destroyed, tens
of thousands of mines were laid,
and air and artillery strikes
shredded the forest. The wildebeest
were slaughtered to feed
the troops. The elephants were
poached for their ivory. Only the
waterbuck were unmolested —
their inedibility being their
greatest asset. By the end of the
war, in 1992, populations of some
species had been reduced by 90%
or more — of one buffalo herd
numbering 14,000, fewer than 50
had survived, and of the masses
of blue wildebeest, there were
just five traumatised individuals.
The people had suffered, too:
Gorongosa’s lions and crocodiles
had grown fat on the flesh of
refugees. Villager Joao Antonio
recalled his family’s flight after
being chased away by Frelimo
forces. “It was a dark night. My
aunt was carrying my baby
sister. We were running because
the rebels would kill us if they
caught us. I heard my aunt
scream, then the lions.” He
paused. “We did not stop.”
In 2000, a chance introduction
at a New York cocktail party
brought the American philanthropist
Greg Carr face to face
with the Mozambican ambassador,
Carlos dos Santos. Carr,
who had made his millions
selling voicemail systems to
business, accepted an invitation
to visit Gorongosa, saw the
potential and immediately
pledged $500,000 to rebuild the
place. That figure soon became
£16m, in return for a 20-year shot
at resurrecting the park.
Its recovery has as much to do
with nature’s capacity for selfrepair
as it does with Carr’s cash.
He relocated herds of buffalo
from the Limpopo national park
and from Kruger in South Africa,
and brought in elephants,
hippos, blue wildebeest and
cheetahs. The zebras returned,
followed by the antelopes.
The infrastructure, however,
remains reassuringly basic.
There are just two camps — the
rebuilt Chitengo, at the park
entrance, and Explore Gorongosa,
where I stayed, which has just
six tents, bush toilets and the
shambolic feel of a research
camp. Come at the end of dry
season and you’ll have a chunk
of Africa the size of Suffolk to
yourself. Most of it is inaccessible
and, in recent times, unexplored;
this is no place for those who
want to tick off the Big Five, then
return to a luxury camp for a spa
treatment. It’s a park for those
seeking raw, unchoreographed
Africa — a home for beasts who do
not yet know their place.
By late November, the Sungue
River is a necklace of shrinking
pools on a serpentine ribbon of

dust. Covered in a dense rug of
Nile cabbage, these ponds are
death traps for the unwary.
“Be very quick and very
careful,” said our guide, Jeff
Trollip, as we tiptoed around one.
“Don’t for Christ’s sake fall in.”
From the high rocks, baboons
were watching hopefully, like
safari tourists waiting for the
kill. The blackened backbone and
ribs of a zebra, exposed by the
dwindling water levels, attested
to the presence of a monster croc
that could explode from the
water with terrifying speed. By
mid-morning, however, the
pools were too hot for the crocs.
We followed tracks up the
bank and into the forest. The
darkness was tangible, the leaf
litter scattered with fallen trees
and huge logs. One of those
logs had a glint in its eye. And a
sawmill mouth of yellow teeth.
Outside of Australia, she was
the biggest crocodile I’d ever
seen, and she considered
our company a threat.
The feeling was
entirely mutual, but
the standoff was cut
short by elephants.
The herd was so far
away that only Alfonso
Bereira, the tracker, could hear
them, but there seemed to be a
pressing need to get back to the
safety of the vehicle before they
arrived. “They’re not hostile,”
Jeff lied. “But they
remember what
people did to
them in the war.”
Fleeing one herd,
we met another. The
adults were tuskless —
possibly the result of an
emergency evolutionary response
to poachers — but lack of ivory
didn’t mean lack of aggression.
The adults formed a defensive
circle under a sausage tree,
dragging the toddlers inside with
twitching trunks, grunting and
farting in fear.
Suddenly a young female
charged the vehicle, her acceleration
proof enough that this
was no feint. Jeff sped away,
stopping 200 yards down the
track, but she kept coming
— and coming — until
she had pushed us a good half
a mile from the herd.
Back at camp, Jeff was called
away to deal with an uninvited
guest. He was pale-faced and
wide-eyed when I caught up
with him, carrying a plastic box.
Inside was a 6ft snake, a black
mamba that had moved into
an outbuilding. Catching it had
been trickier than he had
thought, and the trickle of
venom on his face showed how
close he’d come to getting nailed.
The release was an African
botch job. We drove three miles
from camp to let the snake go —
mambas possess an uncanny
homing instinct — but before
the awkward moment of opening
the box, someone asked Jeff
what his plan was in the event
that he got bitten. Radio? Helicopter?
Antivenom? He waved
a dismissive hand. “If I get
whacked, it will take more than
an hour for a heli to get here,”
he replied. “I’ll be stiff by then.”
Predictably, the furious snake
headed straight for the vehicle
when released — and arrived
back in camp 48 hours later.
This first day in camp brought
other surprises: a python in a
thorn tree, a suicidal monitor
lizard making repeated attempts
on a crocodile’s eggs and a sunset
over Lake Urema pixelated by
tens of thousands of flocking
waders. Over dinner, we discussed
the threats facing Gorongosa
— poaching, deforestation
and Chinese mining interests
in the mountains that could
disrupt and contaminate the
watershed.
Then I asked about lions.
Where were they? It was a dumb,
touristy question, and it got the
smartarse guidey reply.
“Oh, they’re out there,” said
Jeff, peering into the darkness.
“They’re probably watching you
right now.”
Yeah, right. I finished my
wine and went to bed.

Chris Haslam travelled as a guest
of Aardvark Safaris

Travel brief:
Aardvark Safaris

(01980 849160, aardvarksafaris.
co.uk) has a four-night stay at
Gorongosa, with three nights at
the White Pearl resort, on the
south coast, from £3,245pp,
including flights from Heathrow
to Beira via Johannesburg,
light aircraft transfers into the
park, all meals and game drives.
Or try Rainbow Tours (020 7666
1250, rainbowtours.co.uk) or
Abercrombie & Kent (0845 485
1565, abercrombiekent.co.uk).


Once devastated by war, a national park in Mozambique is now
again teeming with (rather terrifying) wildlife. By
Chris Haslam
(fim de citação)

NOTA À MARGEM

Embora a informação e algumas observações contidas neste artigo sejam a repetição de muitas dezenas (ou mesmo centenas) de anteriores artigos, documentários cinematográficos, programas de rádio e televisão, entrevistas, crónicas, etc., a verdade é que este jornalista soube também enquadrar  expressões que merecem  todo o destaque porque são um autêntico hino de enaltecimento às maravilhosas condições do Parque Nacional da Gorongosa:

                 - É a maior maravilha de Moçambique
 
                 - É a África em miniatura

                 - Tem um ecossistema que parece ser o protótipo        
                    divino

Fonte de inspiração de muitos escritores, poetas, fotógrafos, cineastas, jornalistas ou simples amantes da natureza, a beleza selvagem da Gorongosa, não obstante os massacres da sua fauna  de que foi vítima nos anos de guerra civil, que lhe roubaram mais de 90% deste importante recurso natural, a verdade é que continua pujante  graças ao conjunto de ecossistemas únicos que a sustentam e ao esforço humano que ali é desenvolvido. Não admira, pois, que continue a inspirar as pessoas sensíveis, como este jornalista!
Saudações amigas!
Setembro, 2012

Celestino Gonçalves

Ver no link abaixo o vídeo da libertação da cobra mamba citada no texto:
60" height="315" shttp://www.youtube.com/embed/mhjYVuweFqc" frameborder="0" allowfullscreen></iframe>

NONOANNN

of those

 

19
thesundaytimes.co.uk/travel
23.09.12
“One of those
logs had a
glint in its eye
and a sawmill
mouth full of
yellow teeth”